A dor causada por quem tem a sagrada missão de curar
Como imaginar que alguém que abraçou o ofício de cuidar pode ser, na verdade, uma ameaça velada? Como desconfiar de que quem escolheu como profissão tratar e proteger a saúde de crianças seria um potencial abusador delas, a qualquer momento ou descuido?
A denúncia de pedofilia contra o médico pediatra Fernando Cunha Lima choca porque traz à luz a inocência indefesa sendo covardemente corrompida dentro de um ambiente sagrado para um profissional com essa angelical especialidade.
Causa ainda maior indignação quando, para a surpresa de todos, o que se denúncia em consultas era a extensão dos crimes praticados até contra o próprio sangue. Foi o que veio a público com a denúncia de duas sobrinhas, vítimas décadas atrás.
Somente a coragem dos pais de uma menina de nove anos impulsionou, finalmente, as primeiras vítimas romperem um pacto familiar de silêncio e dor que durou 30 longos anos. Um caso que, por pouco, não terminou em tragédia entre irmãos.
Ainda que tardiamente, a revelação também é corajosa. Não fosse a decisão de Gabriela Cunha Lima de superar o tempo, a vergonha e até o julgamento alheio, é possível que o status do acusado asfixiasse a denúncia e desacreditasse a mãe da vítima.
A coragem da mãe de denunciar e da sobrinha do médico revelar gerou uma espiral de força, uma corrente de solidariedade. Assim que souberam, outras famílias já procuraram a Polícia para também registrar casos de violência sexual do médico.
Mas, a essa altura, não dá pra calcular quantas pessoas que confiavam a saúde e a intimidade de suas crianças estejam, com razão, se interrogando: será que meus filhos também foram vítimas?
Uma pergunta dilacerante para inúmeros pais e mães que reforça a necessidade de a Polícia Civil ser mais célere e técnica, do que nunca, de a Justiça agir de forma exemplar e pedagógica e de o Conselho Regional de Medicina vencer o arraigado corporativismo e passar o bisturi na carne.
Até em defesa aos competentes, vocacionados e verdadeiros pediatras paraibanos. Os que honram o juramento e usam as mãos para curar a dor de faces inocentes. Nunca para abrir feridas no coração delas.